O desaparecimento da própria personificação do absolutismo propiciou à nobreza recuperar parte do poder e influência até então centrados na pessoa do monarca, e ocorre o esvaziamento da corte de Versalhes, deslocando-se muitos nobres para suas propriedades no interior, enquanto outros se moviam para palacetes em Paris, que se tornavam o centro da "cultura dos salões", reuniões sociais sofisticadas, brilhantes e hedonistas que aconteciam entre discussões literárias e artísticas. Esse fortalecimento da nobreza a tornou então a principal mecenas dos artistas do período.
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Nesses salões se formou a estética do Rococó, a qual deslocava do centro de interesse a pintura histórica, que era o gênero anteriormente mais prestigiado e que invocava um sentido ético, cívico e heróico tipicamente masculino, colocando em seu lugar a pintura de cenas domésticas e campestres, ou de alegorias amenas inspiradas nos mitos clássicos, onde muitos identificam a prevalência do universo feminino. Nesse sentido, teve grande relevo o papel desempenhado pelas mulheres na sociedade desta fase, assumindo uma força na política em toda Europa e se revelando generosas patronas de arte e formadoras do gosto, o caso das amantes reais Madame de Pompadour e Madame du Barry, das imperatrizes Catarina, a Grande e Maria Teresa da Áustria, e organizando vários salões importantes, a exemplo da Madame Geoffrin, da Madame d'Épinay e da Madame de Lespinasse, entre muitas outras.
Entretanto, em vários aspectos o Rococó é uma simples continuação, na verdade a culminação, de valores do Barroco - o gosto pelo esplêndido, pelo movimento e pela assimetria, a frequente alusão à mitologia greco-romana, a inclinação emocional, a pretensão ostentatória e o convencionalismo, no sentido de se reger por critérios pré-estabelecidos aceitos consensualmente.
A pintura rococó ilustra ainda, em sua versão primeira, a cisão social que desembocaria na Revolução Francesa, e representa o último bastião simbólico de resistência de uma elite distante dos problemas e interesses do povo comum, e que se via cada dia mais ameaçada pela ascensão da classe média, a qual se educava e começava a dominar a economia e até mesmo importantes setores do mercado de arte e da cultura em geral. Com isso, determinou a emergência paralela de uma corrente estilística bem mais realista e austera, cuja temática era toda burguesa e popular, exemplificada pelos artistas Jean-Baptiste Greuze e Jean-Baptiste Chardin, e que foi virtualmente ignorada pelo universo rococó, com poucas exceções, mas que por fim acabaria sendo uma das forças para a sua derrocada no fim do século XVIII.
Num período em que as antigas tradições começavam a se dissolver, pintura rococó representa uma oposição à doutrina acadêmica, que tentava, mesmo durante o alto Barroco e em especial na França, impor um modelo artístico classicista como um princípio atemporal e universalmente válido, cuja autoridade era colocada acima de questionamentos, da mesma forma como a teoria política validava o absolutismo. Nessa onda de liberalismo e relativismo, a arte começava a ser vista como apenas mais uma entre tantas coisas sujeitas às oscilações da moda e dos tempos, uma opinião que seria inconcebível até pouco antes. Como resultado, as inclinações do período tendem para o humano e o sentimental, direcionando a produção não para heróis ou semideuses, mas para pessoas comuns, com suas fraquezas, e que buscavam o prazer.
Desta forma, o Rococó levanta definitivamente na arte ocidental a questão do esteticismo, na própria ambiguidade que cerca seu método representativo e seus objetivos essenciais, tornando nítida a convenção primordial de que se a pintura existe, existe para um observador e para ser olhada, mas entregando para as gerações futuras o sério problema de, segundo Stephen Melville, "dizer que o que acontece com um espectador diante de uma pintura é fundamentalmente diferente do que acontece com uma pessoa olhando um papel de parede ou uma paisagem pela janela", elemento dialético que se tornaria crucial para a discussão e validação moderna da arte em si, do fazer e entender artísticos e da autonomia da Estética, e que ainda não foi resolvido satisfatoriamente.
Vagner Augusto
Gostei demais de sua postagem! O Barroco brasileiro se inspira na tendência Rococó. É muito interessante!
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