quinta-feira, 20 de junho de 2013

MARCAS DO NAZISMO EM FAZENDAS DO INTERIOR DE SÃO PAULO

Escombros de fazenda no interior paulista revelam passado de admiração ao nazismo

José Ricardo Rosa, 55, conhecido como "Tatão" segurando um tijolo com a suástica nazista; após herdar a fazenda Cruzeiro do Sul na cidade de Campina do Monte Alegre ele encontrou por acaso tijolos com o sinal nazista usados na construção -


Os tijolos que hoje se desprendem de uma velha capelinha da fazenda Cruzeiro do Sul, servem como pistas para rastrear como um integrante de um abastado clã do Rio de Janeiro transformou sua propriedade num testemunho de admiração ao nazismo nos anos 1930.
Nessa fazenda, os blocos de barro eram feitos com uma suástica estampada.
José Ricardo Rosa segura um tijolo com a suástica nazista - Folha de São Paulo
Alguns desses tijolos viraram material para pesquisadores, assim como fotografias de bois marcados a ferro quente com o símbolo nazista, bandeiras e uma série de outros documentos encontrados na propriedade. 
No início do século 20, a família carioca Rocha Miranda adquire uma extensa área de terra no interior do estado de São Paulo. Os Rocha Miranda eram na época proprietários do Hotel Glória, da Casa Bancária Rocha Miranda e da companhia de aviação Panair, entre outras empresas do Rio de Janeiro, então capital da República. Ao lado dos Guinle e dos Leal, eram uma das famílias mais ricas do Brasil.
A exploração dessas áreas do interior paulista teve início no fim do Império. Elas foram parte do presente de D. Pedro I (1798-1834) ao brigadeiro Raphael Tobias de Aguiar (1794 – 1857), fundador da Polícia Militar de São Paulo, por seu casamento com a Marquesa de Santos (1797 – 1867), oficializado em 1842. Em 1906, o brigadeiro as vendeu para Luis Rocha Miranda.
José Ricardo Rosa segura um tijolo com a suástica nazista - Carlos Cecconello/Folhapress
As terras abarcavam as fazendas Santa Albertina, Cruzeiro do Sul, Retiro Feliz, Mandaçaia, Cavalinho e Sobradinho, em uma área de 40 mil hectares na região de Buri. É dentro dessas terras que se encontra a Guatambu, fazenda-sede da Agropecuária Guatambu Ltda. 
As terras teriam sido compradas para a prática da caça a perdizes, aves características daqueles campos. Contam-se muitas histórias sobre as caçadas que os Rocha Miranda realizavam ali, junto aos numerosos amigos que traziam do Rio de Janeiro em composições fretadas da Estrada de Ferro Sorocabana. Integradas por carros-dormitório, carro-restaurante e carro-sala de estar, especialmente decoradas, essas composições permaneciam em uma estação construída pelos Rocha Miranda e hoje conhecida como Estação Hermilo, em Angatuba (SP). Terminada a temporada de caça, o luxuoso trem os levava de volta para o Rio de Janeiro.
Em 1934 a família Rocha Miranda dá início, nessas terras, à criação e seleção de gado Nelore. Com a morte do patriarca seus três filhos, Sérgio, Oswaldo e Renato Rocha Miranda, tomam posse das propriedades.
Aloysio Silva, 89, foi uma das crianças trazidas de um orfanato do Rio de Janeiro na decada de 30 para trabalhar na Fazenda Santa Albertina de propriedade de Oswaldo Rocha Miranda; ele afirma ter sido submetido a normas e costumes escravagistas - Carlos Cecconello/Folhapress
Aloysio Silva, 89, foi uma das crianças trazidas de um orfanato do Rio de Janeiro na decada de 30 para trabalhar na Fazenda Santa Albertina de propriedade de Oswaldo Rocha Miranda; ele afirma ter sido submetido a normas e costumes escravagistas


Sérgio Rocha Miranda cuidava da fazenda Cruzeiro do Sul. A propriedade vizinha, a Santa Albertina, ficava sob os cuidados de seu irmão, Oswaldo Rocha Miranda. Nela, funcionava uma espécie de fazenda-orfanato para 50 meninos mantidos em um regime quase escravo.
Com idades entre 9 e 12 anos, esses garotos (somente dois deles brancos) foram entregues a Oswaldo em 1933 e 1934, após decisão judicial.
Todos haviam sido abandonados no orfanato católico Educandário Romão de Mattos Duarte, no Rio, e foram retirados de lá por Oswaldo com a promessa de terem uma vida melhor, segundo Aloysio Silva, 89, o “menino número 23″ da lista de 50.
“Era uma vida diferente da prometida. Era castigo por tudo, trabalhava muito, até de fazer a mão sangrar”, conta Aloysio, o número 23.
Quero saber da minha mãe, pai e irmãos antes de morrer. É muito triste ficar velho sem saber quem é nossa família. Como não conheci ninguém, sou assim meio revoltado. Dá um negócio assim…Uma revolta danada daquela vida na fazenda.
Dessa forma, Aloysio Silva, 89, pai de sete filhos e morador de Campina do Monte Alegre (SP), reage sobre os quase dez anos vividos na Fazenda Santa Albertina.
Silva foi transferido do Educandário Romão de Mattos Duarte, no Rio, para a Santa Albertina em 1933. Lá, por dez anos, deixou de ser Aloysio para ser o “23″.
Aloysio Silva foi uma das 50 crianças trazidas para trabalhar na fazenda, todas atendiam por números e não pelos nomes, Aloysio era o número 23 - Carlos Cecconello/FolhapressAloysio Silva foi uma das 50 crianças trazidas para trabalhar na fazenda, todas atendiam por números e não pelos nomes, Aloysio era o número 23.
“Os bichos tinham documento e nome na fazenda. E nós éramos tudo número, como se nós fôssemos gado”, diz ele. “O cumprimento na fazenda era sempre ‘Heil Hitler’ ou ‘Anauê’ [saudação dos integralistas], mas a gente nem sabia o que era esse negócio de nazismo.”
Segundo os documentos do orfanato, Silva foi abandonado pela mãe, Maria Augusta da Silva, quando tinha três anos. O local era conhecido como “Casa da Roda”: do lado de fora, familiares colocavam bebês e crianças em uma portinhola que girava até as freiras, do lado de dentro.
Além do nome da mãe, Silva também sabe o de uma irmã, Judith, mas nunca conseguiu localizá-las. “A família vivia ali por onde hoje é o aterro do Flamengo. Só sei disso, mas queria achar alguém.”
Na fazenda, Silva se notabilizou por ser um corajoso “domador de bois, cavalos e burros bravos” e como um dos melhores jogadores de futebol do time dos Rocha Miranda.
A vida na fazenda era sofrida demais. Tinha castigo por tudo. (…) As traquinagens de moleque sempre terminavam com castigo. Era no silo [tanque de armazenamento de cereais] que eles deixavam a gente, como se fosse cadeia“, relembra. “A palmatória tinha uns buracos. Quando batia na mão da gente, sugava tudo. Doía muito.

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